Tribunal de Londres responsabiliza mineradora anglo-australiana pelo rompimento da barragem de Fundão, que completa dez anos e segue sem punições criminais no Brasil.
O Tribunal Superior de Londres divulgou, nesta sexta-feira (13), uma decisão histórica que aponta a BHP como diretamente responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana. A Justiça inglesa concluiu que a mineradora anglo-australiana exerceu controle e influência sobre as operações e, portanto, deve responder pelos danos sociais e ambientais provocados pela tragédia de 2015, considerada o maior desastre socioambiental já registrado no Brasil.
A ação envolve cerca de 620 mil autores, como pessoas físicas, comunidades, municípios, igrejas e empresas. Eles reivindicam aproximadamente R$ 230 bilhões em indenizações. O julgamento também confirmou que a mineradora negligenciou alerta técnicos, ignorou estudos essenciais e permitiu que a estrutura continuasse sofrendo elevações mesmo diante de sinais claros de risco.
O tribunal concluiu que a BHP responde de forma objetiva, já que integra a cadeia poluidora e conduz atividade que exige responsabilidade integral sobre possíveis danos. Portanto, a Justiça britânica rejeitou qualquer tentativa de transferência ou limitação dessa responsabilidade.
O valor final das indenizações será decidido somente na segunda fase do processo, prevista para terminar em outubro de 2026.
Posição da empresa
A BHP informou, em nota, que pretende recorrer da decisão inglesa. Mesmo assim, a empresa reforçou que continua comprometida com a reparação no Brasil. Desde 2015, BHP, Vale e Samarco destinaram aproximadamente US$ 13,4 bilhões para ações de compensação e reconstrução. Esse valor inclui o acordo firmado em 2024 com o governo brasileiro, avaliado em R$ 170 bilhões (US$ 32 bilhões).
As mineradoras já pagaram indenizações para mais de 610 mil pessoas. Dentre elas, cerca de 240 mil também participam da ação no Reino Unido. O Tribunal Superior de Londres reconheceu a validade das quitações assinadas por quem recebeu compensação no Brasil. Essa decisão deve reduzir o montante total que a BHP deverá pagar em território britânico.
A empresa alegou que o processo movido no Reino Unido traz duplicidade, já que o acordo brasileiro estabelece mecanismos oficiais para reparação, compensação e repactuação.
A Vale, que divide o controle da Samarco com a BHP, não integra a ação britânica. Entretanto, a empresa responde a processos no Brasil e arcará com metade do valor das indenizações a serem definidas pela Justiça inglesa.
O julgamento
A primeira fase do julgamento começou em outubro de 2024 e seguiu até março de 2025. Nesse período, especialistas jurídicos e técnicos prestaram depoimentos, assim como peritos e testemunhas que acompanharam a situação estrutural da barragem de Fundão antes da tragédia.
A defesa das vítimas, conduzida pelo escritório Pogust Goodhead, sustentou que a BHP tinha conhecimento de riscos severos. Os advogados apresentaram evidências que indicam que a mineradora recebeu sinais de alerta sobre a barragem pelo menos seis anos antes do rompimento. A empresa negou essas acusações.
Entre os documentos apresentados, os advogados mostraram relatórios que registraram a existência de uma rachadura detectada em agosto de 2014. Eles classificaram o problema como uma evidência de falha iminente no talude da estrutura. A BHP adotou medidas emergenciais, mas não alcançou o fator de segurança recomendado.
Antes mesmo da divulgação da sentença da primeira etapa, o tribunal já havia iniciado audiências preparatórias para a segunda fase, marcada para outubro de 2026. Somente nessa etapa o tribunal vai definir, individualmente, os danos sofridos por cada atingido e o valor total das indenizações.
A Tragédia de Mariana, uma década depois
O rompimento da barragem de Fundão completou dez anos no último dia 5. A lama devastou o distrito de Bento Rodrigues e percorreu centenas de quilômetros até atingir o oceano, no Espírito Santo. Aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos destruíram comunidades inteiras, contaminaram o Rio Doce e seus afluentes e deixaram 49 municípios atingidos, direta ou indiretamente. A tragédia matou 19 pessoas e alterou modos de sobrevivência, ecossistemas, economias e estruturas sociais.
A ação contra a BHP no Reino Unido começou em 2018. Entretanto, a Justiça inglesa somente concordou em julgar o caso em 2022. A Corte justificou a decisão porque a BHP estava listada na Bolsa de Valores de Londres no ano da tragédia.
No Brasil, as mineradoras e o poder público assinaram, em 2024, um novo acordo de reparação sobre a tragédia. O pacto estimou custos de R$ 170 bilhões, incluindo R$ 38 bilhões que já haviam sido gastos antes da repactuação.
Enquanto isso, o processo criminal brasileiro ainda segue indefinido, sem condenações após uma década.
Representantes das vítimas
O escritório internacional Pogust Goodhead, responsável pela defesa da ação coletiva, confirmou a condenação da BHP e considerou a decisão um marco histórico para as vítimas. Para os advogados, a sentença demonstra que as milhares de pessoas atingidas finalmente começam a ver avanços reais na responsabilização das empresas envolvidas.
O tribunal britânico rejeitou todas as tentativas da BHP de reduzir ou delimitar sua responsabilidade. Além disso, autorizou o avanço para a próxima fase do julgamento. A decisão também confirmou que municípios brasileiros podem processar a mineradora em território inglês. O tribunal ainda estabeleceu que vítimas e entes públicos têm prazo até setembro de 2029 para apresentar novas ações.
Atualmente, mais de 600 mil pessoas e 31 municípios participam da ação coletiva no Reino Unido. A segunda fase do processo segue prevista para outubro de 2026.










