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Demência por corpos de Lewy atinge Milton Nascimento aos 82 anos e emociona o Brasil

Demência por corpos de Lewy atinge Milton Nascimento aos 82 anos e emociona o Brasil

Após percorrer 4 mil km de motorhome com seu filho, Milton Nascimento é diagnosticado com demência por corpos de Lewy

Quando se fala em poesia, voz que rasga o silêncio e alma que transpira canção, poucos nomes brilham tanto quanto o de Milton Nascimento, o inolvidável “Bituca”.

Nascido em 26 de outubro de 1942, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, Milton teve uma infância marcada por tragédia e redenção.

Sua mãe, Maria do Carmo do Nascimento, trabalhava como empregada doméstica e faleceu quando ele ainda era bebê.

Pouco depois, ficou sob os cuidados da avó e foi adotado por Lília Silva Campos e Josino Campos, sendo levado para Três Pontas, em Minas Gerais, lugar que considerou sua terra natal.

Desde cedo, Milton respirou música, sua mãe adotiva era professora de música, e o ambiente familiar o envolveu em sons e repertório que germinariam a sensibilidade de um dos maiores nomes da música.

Aos 13 anos ele ganhou seu primeiro violão; nos bairros de Minas, nas festas e nos encontros com amigos, começou a compor e cantar.

A trajetória de “Bituca”: som, parcerias e transformações

Milton despontou no cenário musical nos anos 1960, ainda jovem, com composições já densas e movidas por alma. Em 1966, teve uma de suas primeiras glórias quando Elis Regina gravou “Canção do Sal”, ajudando a projetá-lo nacionalmente.

Em 1967, no Festival Internacional da Canção, sua canção “Travessia” (em parceria com Fernando Brant) alcançou reconhecimento.

Logo emergiu o movimento Clube da Esquina, nas esquinas de Belo Horizonte, onde Milton encontrou aliados criativos como Lô Borges, Márcio Borges, Beto Guedes, Toninho Horta e Fernando Brant.

Ali, combinaram influências do rock, da bossa nova, da música mineira e de jazz com poesia e experimentação sonora em obras como Clube da Esquina (1972) álbum tornou marco da música.

Internacionalmente, Milton também brilhou: convidado por Wayne Shorter, participou do álbum Native Dancer (1975), misturando jazz e brasilidade. Em 1998, conquistou um Grammy para álbum Nascimento.

Sua voz, descrita como “o mais belo tenor do Brasil” e capaz de ascender em falsetes etéreos, tornou-se emblemática. Ao longo de sua carreira, atuou em trilhas, parcerias e produções que atravessaram gêneros e fronteiras, deixando rastro vital na MPB e na cultura brasileira.

Legado imortal: canções que ecoam

O legado de Milton Nascimento se expressa de diversas formas, nas canções que se tornaram hinos, nas vozes que o reverenciam, nas influências que se multiplicam:

  • Músicas como “Clube da Esquina”, “Cais”, “Três Pontas”, “Nada Será Como Antes”, “Para Lennon e McCartney”, “Canção da América”, “Maria Maria” e “Cravo e Canela” integram o repertório amado e regravado por gerações.
  • Homenageado com o título Doutor Honoris Causa pela Berklee College of Music, nos EUA.
  • É vencedor de Grammys e premiações nacionais e internacionais, colaborador de artistas como Björk, Pat Metheny, Caetano Veloso, Elis Regina etc.
  • No Brasil, sua obra autoral com centenas de composições e gravações é fonte de inspiração constante para novos talentos.
  • Suas letras nascem da dor e da alegria, da busca espiritual, do amor e da memória coletiva um compositor que conversou com o íntimo e com o social em igual medida.

Mesmo depois de oficialmente anunciar sua aposentadoria dos palcos em 2022 (durante a turnê A Última Sessão de Música), Milton continuou atuando em parcerias, participações especiais e, em 2025, foi o primeiro artista vivo homenageado pela escola de samba Portela no desfile carioca.

A viagem americana: motorhome, pai e filho

No primeiro semestre de 2025, Milton vivenciou momentos que se tornariam simbólicos: em março, homenageado pela Portela, no mesmo mês, participou do lançamento do documentário Milton Bituca Nascimento, dirigido por Flávia Moraes.

Pouco depois, sua saúde cognitiva começou a alarmar. Seu filho, Augusto Nascimento, percebeu nos hábitos do pai um apagamento discreto, falta de apetite, olhar fixo, repetição de histórias em poucos minutos, comportamentos incomuns para alguém que sempre narrava vidas e memórias com riqueza.

Em abril, o clínico geral Weverton Siqueira, que já o acompanhava há muitos anos, conduziu uma bateria de testes cognitivos (atenção, orientação, linguagem etc.), constatando uma piora significativa.

Face à progressão, Augusto propôs uma ideia audaciosa: “seria uma loucura fazer uma viagem de motorhome pelos Estados Unidos?”. O médico respondeu que, se havia hora, era aquela.

Em 7 de maio, pai e filho embarcaram para Dallas (Texas). No dia seguinte assistiram a um show de Paul Simon, que se encontrou com Milton após a apresentação.

No dia 9 foram a Phoenix, alugaram um motorhome e, nas 16 noites seguintes, pernoitaram em residências via Airbnb e rodaram por Arizona, Utah, Idaho, Wyoming e Montana, totalizando 4 mil km em estrada.

Além disso, Milton contou aos amigos ter sido “a melhor coisa da vida dele”. Augusto afirmaria: “valeu a pena aquela aventura”.

A viagem assume contornos quase míticos, um pai e um filho, contra o tempo, contra a degeneração, buscando registrar juntos uma memória viva e pulsante.

O diagnóstico: demência por corpos de Lewy

Poucas semanas após o retorno da viagem, começou o enfrentamento mais cruel: o laudo médico oficial foi de demência por corpos de Lewy (DCL).

Essa condição apontada como a terceira mais comum das demências degenerativas e resulta do acúmulo anômalo da proteína alfa-sinucleína no cérebro, os chamados “corpos de Lewy” que promovem degeneração neuronal.

A DCL costuma manifestar sintomas cognitivos semelhantes ao Alzheimer e também traços motores como rigidez e lentidão.

Portanto, fazendo com que muitas vezes seja confundida com Parkinson ou demência de Parkinson. De fato, Milton diagnosticado com Parkinson anteriormente, o que complicou a diferenciação clínica entre os quadros.

No Brasil, a demência da doença de Parkinson e a demência com corpos de Lewy são as segundas causas mais comuns de demência.

Além disso, o diagnóstico é complexo, a evolução costuma ser mais rápida e os tratamentos, paliativos, devem se adequar às manifestações cognitivas, motoras e comportamentais.

Portanto, para Milton, isso significou uma virada dramática de contador incansável de memórias e autor de eternas canções, ele passa a enfrentar a perda gradual de si mesmo. Além disso, a viagem de motorhome, nesse contexto, assume ainda mais significado, foi um ato de amor, de urgência, de resistência.

A força da música até o fim

Portanto, mesmo com a aposentadoria formal dos palcos e o avanço da doença, Milton segue presente na música e no imaginário coletivo.

Em 2024 lançou colaborativamente o álbum Milton + Esperanza, com a artista americana Esperanza Spalding, revisitando clássicos como “Outubro” e “Cais”. Além disso, a recepção crítica elogiou o dueto entre vozes maduras, reinventando repertório de forma sensível e elegante.

Essa atividade artística indica que seu canto, ainda que modulado pela passagem do tempo, conserva a essência que o tornou imortal. Sua obra continua viva, regravada, reinterpretada, celebrada.

Ao ser homenageado pela Portela, ele reafirmou sua importância, uma marca rara, ter seu nome e voz celebrados ainda em vida nas avenidas do samba.

Entre lágrimas e aplausos: o legado de Milton Nascimento

Milton Nascimento não é apenas um cantor ou compositor, é um dos poetas mais profundos da alma brasileira. Suas canções ajudaram a traduzir o país para si mesmo, suas belezas, suas feridas, suas esperanças. Portanto, hoje, ao atravessar as sombras da demência, ele resiste no som, na memória coletiva, na reverência.

Além disso, viagem de motorhome com seu filho Augusto se transformou em metáfora e ato de salvação, levou trajetória, afeto e memória intacta.

Portanto, enquanto houver quem o escute, Milton seguirá vivo, no vibrar dos acordes, no pranto dos versos, no abraço silencioso da lembrança.

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